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Licenciada em Letras: Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Pós Graduada em Pedagogia Gestora

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Rio Grande do Sul, Brazil
Sou professora da rede estadual do Rio Grande do Sul,uma profissional apaixonada pela educação,atuo nas séries iniciais em uma turma de segundo ano e ministro aulas de Língua Portuguesa nas séries finais do Ensino Fundamental. Também trabalho a Arte, a Língua Portuguesa e as literaturas da Língua Portuguesa no Ensino Médio.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

gente

gente vera viana
a vida é um conhecer constante de gente.
Gente que passa se perde na lembrança.
Gente que permanece na saudade que dói.
gente que nos fez rir, que nos deixa mágoa
que esfria qualquer sensibilidade.
Gente que aquece a alma da gente...
Gente enfeitando sorrisos falsos,
gente boa que ajuda e trabalha,
esta gente que briga por qualquer coisa
porque não cresce.
Gente que diz ser gente
e age no silêncio de meus pensamentos.
Como passa pela vida da gente,
gente desconfiada,
gente que nos distrai apresentando
dramas e comédias...retrato de toda gente
Já vi gente cansada e aflita que ri,
gente que se revolta,
gente sem opinião,
ainda há aquela gente que só critica
e esmaga com um sorriso torto o que o outro fez de bom.
Gente de gosto amargo,
que se orgulha de ser dura e fria.
Gente covarde que mente,
gente mansa cheia de ternura
altruísta, corajosa, compreensiva...
Gente inteligente!
Gente que luta e mesmo assim está sempre alegre.
Como é doloroso ver gente que faz um mundo cão,
entretanto...há muito cão que é gente.
Gente que reclama, grita, mata pela ordem que ela distrói
Sempre gostei de gente
não importa a cor,
o crédulo,
nem o lado em que ela está,
no funda de cada gente,
há uma busca de acertar.
E toda gente pensa que seu pensar é o melhor
todos pensam ter juízo,
mesmo aqueles que não têm,
afinal gente louca também é gente...
E há um tipo de loucura que eu admiro
Aquela que leva a gente a querer ser gente.
Nara Eledi Raphaelli

separação

ESTOU SÓ


Hoje acordo em meus lençóis
Fechada num alpedre de carne sozinha
Meus dedos te tocam. Apanham o ar
Um veludo frio que se embrenha em mim

Estou só...

Mais do que nunca estou só
Abraçada a uma solidão que não vai embora
Que não me deixa viver
Que na minha calmaria me adotou

Estou só...

Apeio-me do ar e penso em ti
O corpo com novo papel, sem escrita nenhuma
Vazio no silêncio, sob as calhas do desespero
Os nervos corroídos pelo choque da tristeza

Estou só...

Que loucura é esta? O que tenho com vocês?
Por que maltratar-me desse jeito?
Por que me puxa? Por que me bate?
Esta solidão, esta tristeza, me deixem...

Estou só...

Na clareira de meu quarto...aqui estou
a tua espera desde que tua partida se aligerou
teu sono é meu sono
Povoados com os sonhos que esqueceste
Dos suspiros que não nasceram

Estou só...

Neste espaço que já foste em mim
e hoje sou um alpedre de solidão
Mas, de meu fogo jorra um afiado lamento
que ninguém escuta, ninguém vê
Pobre de mim... Talvez num vento me ouças

Estou só....

Nara Eledi Raphaelli 2000

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC ULBRA/ 2003

NARA ELEDI RAPHAELLI





“CONCERTO CAMPESTRE” E A RUPTURA DA
NARRATIVA CLÁSSICA ROMÂNTICA












Guaíba
2003
NARA ELEDI RAPHAELLI





“CONCERTO CAMPESTRE” E A RUPTURA DA
NARRATIVA CLÁSSICA ROMÂNTICA





Trabalho de Conclusão de Curso
Universidade Luterana do Brasil
Campus Guaíba
Faculdade de Letras

Orientadora: Jussara Lisbôa
Guaíba
2003
























AGRADECIMENTOS

-Agradeço a Deus por me dar a oportunidade de che-gar até o final deste trabalho.
-E a minha mãe que, indiretamente, colaborou para que esta etapa fosse realizada com sucesso.



















“Eu me sinto à vontade em trabalhar o passado
porque, entre nós, convivem os séculos”.

Luis Antonio de Assis Brasil

SUMÁRIO


INTRODUÇÃO.......................................................................................................7
1 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................9
1.1 O Romantismo e concepção de arte...................................................................9
1.2 Romance: origem, estrutura e função...............................................................11
1.3 Objetivos do escritor ramântico........................................................................14
1.4 Realismo: contraponto inevitável.....................................................................15
1.5 Romance e ações das personagens...................................................................19
1.6 O patriarcalismo no romance...........................................................................24
1.7 A intertextualidade.........................................................................................26
1.8 Literatura Comparada: um caminho para a pesquisa..........................................28

2 LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL....................................................................31
2.1 Vida e arte......................................................................................................31

3 PROPOSTA PARA UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA NARRATIVA DE ROMANCES ROMÂNTICOS................................................................................35
3.1 Análise estrutural de romances brasileiros........................................................36
3.2 Taunay: Perfil biográfico.................................................................................46
3.2.1 Inocência: Realidade e ficção..................................................................48
3.3 Análise de Concerto Campestre de Assis Brasil................................................59
3.4 Análise comparativa entre as obras de Taunay e Assis Brasil.............................63
CONCLUSÃO........................................................................................................67
OBRAS CONSULTADAS.....................................................................................69
INTRODUÇÃO
Motivo de estudo interdisciplinar, a literatura tem despertado o interesse das mais diversas áreas do conhecimento: antropologia, semiologia, semântica, psicologia, análise do discurso entre outras.
Narrativas as mais diferenciadas têm encantado leitores, transmitido ideologias, questionado valores e despertado o interesse de estudantes para o aprofundamento de sua interpretação.
Apesar de apresentar estilos e temas diferenciados, o romance literário brasileiro, quase sempre, segue o modelo da narrativa clássica romântica. Mesmo em obras contemporâneas ele está presente, embora com algumas alterações.
O objetivo do presente trabalho é caracterizar a ruptura da estrutura clássica romântica na obra “Concerto Campestre” de Luiz Antonio de Assis Brasil.
Para isso, no primeiro capítulo, é apresentado o referencial teórico referente ao Romance Brasileiro: O Romantismo e sua concepção de arte, romance – sua origem e função, os objetivos do escritor romântico, características do romance no Realismo, a ação das personagens, o patriarcalismo nas obras, a intertextualidade e a importância da Literatura Comparada para a pesquisa acadêmica.
O segundo capítulo apresenta vida e obra de Luiz Antonio Assis Brasil.
Por fim, no terceiro capítulo, apresenta-se a proposta de análise de alguns romances com o estabelecimento da trama de cada obra e seu respectivo epílogo. Julgando importante selecionar uma obra com estrutura clássica romântica para traçar um paralelo com “Concerto Campestre” e ilustrar a ruptura narrativa, ainda neste capítulo, procede-se um estudo da obra “Inocência”, bem como apresenta-se informações sobre seu autor Visconde de Taunay.
Finalmente procede-se a argumentação em relação a ruptura narrativa em “Concerto Campestre”
1 REFERENCIAL TEÓRICO
1.1 ROMANTISMO E CONCEPÇÃO DE ARTE

Segundo Bernardi (1999) o Romantismo é um movimento literário que altera profundamente a concepção de arte existente desde o renascimento. Isso por manifestar um apelo à emoção e oposição ao racionalismo clássico.
Fazendo do “eu” o centro do universo, o escritor romântico traz em si o valor de todas as coisas. Ele exprime sentimentalismo e individualismo propícios a confidências, aos anseios individuais, ao mistério, à religiosidade e à fuga da realidade. Ao mesmo tempo, sentindo-se capaz de harmonizar o individual e o coletivo, o poeta romântico desenvolve o gosto pelos temas na-cionais e sociais.
Bernardi (1999) ressalta que o Romantismo brasileiro representa o início das manifestações relativas à concretização dos valores essenciais de nossa pátria; mesmo quando influenciado pelo espírito europeu. Em outras palavras, o autor classifica o romance como representante da alma brasileira: seus motivos e sua linguagem.
Massaud Moisés (1967) apresenta a fundamentação do romance romântico como sendo o tripé: Herói – Donzela – Anti-herói, ou seja, o chamado triângulo amoroso.
Geralmente, o herói é configurado como um jovem dinâmico, bom caráter respeitador, virtuoso, amoroso, que luta a fim de merecer a mão da donzela, a quem ama. Por sua vez, a donzela é uma jovem, passiva, formosa, meiga, à espera que o casamento¬ – símbolo da felicidade plena – se realize. Já o anti-herói, ao contrário do herói, geralmente é uma pessoa má, desprovida de qualquer ato de bravura e que luta para que o casamento não se concretize.
Observa-se ainda que o romance romântico apresenta ou um final feliz: os protagonistas casam-se e são felizes para sempre ou um final trágico, em que o casamento não se concretiza, restando a esperança da felicidade na vida eterna. Segundo Massaud Moisés (1967) a narrativa é linear apresentando princípio, meio e fim.
O Romantismo representa o subjetivismo, a libertação do mundo exterior. Nas palavras de Massaud Moisés (1967) é um primado exuberante da emoção, imaginação, intuição, liberdade pessoal e interior.
Uma vez que não há lógica na atitude romântica, este período literário é visto como sendo de liberdade do indivíduo. Inexistem regras, a literatura oscila entre pólos opostos: da alegria à melancolia; do entusiasmo à tristeza. O espírito romântico é atraído pelo mistério da existência, que lhe parece envolvida pelo sobrenatural e pelo terror. O romântico encara o mundo com espanto permanente.
1.2 ROMANCE: ORIGEM, ESTRUTURA E FUNÇÃO.
Segundo Massaud Moisés (1967) o romance surge nos meados do séc XVIII: fruto do Romantismo, revolução cultural originária da Escócia e da Prús-sia.
Servindo a burguesia em ascensão, com a revolução industrial inglesa, na segunda metade do séc XVIII, esse tipo de narrativa torna-se porta voz de ambições, desejos, veleidades, e - ao mesmo tempo - ópio sedativo ou fuga da mesmice cotidiana.
O autor afirma que o romance - entretenimento, ludo, passatempo duma classe que inventou o lema de que “tempo é dinheiro” - traduz o bem-estar e o conforto financeiros de pessoas que remuneram o trabalho do escritor no pressuposto de que sua função consiste em deleitá-las.
A estrutura do romance romântico, conforme Massaud (1967) apresenta-se em duas camadas.
A primeira oferece uma imagem otimista, cor-de-rosa, formada do encontro entre duas personagens para realizar o desígnio maior segundo os preceitos em voga: o casamento.
Entretanto, o autor acredita que a imagem apresentada aos burgueses é ilusória, corresponde ao que eles pretendem ser, ao que sonham ser, e não ao que são efetivamente. Logo, tal imagem fica a mercê da inconsciência e da parcialidade com que a burguesia divisa o mundo e os homens.
Na segunda camada estrutural, ocorre uma crítica ao sistema.
Massaud Moisés (1967) usa os adjetivos sutis e implícitos para a crítica quando ocorre de forma involuntária; não obstante nos adverte de que ela pode ser declarada e violenta. “O romance é definido como forma literária que mais agudamente testemunha a metamorfose verificada nas atividades artísticas modernas.”

Segundo Massaud Moisés (1967) o problema fundamental do romancista não é começar o romance, mas sim terminar. O epílogo é o ponto fraco de muitos escritores. É ao tecer a conclusão que o autor precisa colocar toda a sua atenção, pois o epílogo serve para justificar tudo que vinha antes e passava diante do leitor como inexplicável ou misterioso:
O desenlace ilumina como súbito clarão todo o caminho percorrido, e dá relevo àquilo que, anteriormente, era uma multidão de objetivos, seres e episódios mergulhados em penumbra. Seu problema está em como arre-matar, pois do epílogo depende que o restante ganhe ou perca consistência.

Assim, compreende-se que o ficcionista concentre toda a sua força imagina-tiva e dramática na composição do epílogo, pois cada parte somente se entende pelo “todo” e pela relação balanceada entre suas células dramáticas.
Logo, o final deve iluminar a narrativa. É no momento do coroamento harmônico da fabulação encontrada no epílogo que o leitor tem a ilusão de ver aflorar a naturalidade da vida, sem comprometer a naturalidade da própria arte.
As técnicas da composição do romance nascem dos arranjos possíveis entre suas células dramáticas. A ilusão pretendida cumpre-se nesse circuito de fingimentos tácitos, uma vez que o ficcionista engendra o que o leitor lhe pede, e este determina, com sua expectativa, a imagem da realidade que tenciona conhecer.
Massaud Moisés (1967) explica que à proporção que acolhe o caos, o romance aproxima-se da poesia e, sobretudo, da epopéia, mundo de que proveio: o caos gera o absurdo, o insólito, a anarquia interna, e daí o mítico, o épico. No entanto, por mais absurdos que o romance apresente, nota-se a presença de uma história ou de uma ação, e exige necessidade da imaginação do leitor, a fim de completar os vazios deixados pelos ficcionistas.
A chegada do Romance ao Brasil é vista pelo autor como tardia. Cita Joaquim Manuel de Macedo - com a obra “ A Moreninha” , escrita em 1844 – co-mo o marco do cultivo romanesco entre nós, e José de Alencar – com a obra “O Guarani”, escrita em 1857 - como o responsável pelo cultivo de tal gênero. Não obstante, também destaca o momento de grandeza para o romance que o movi-mento Realista representa.
1.3 OBJETIVOS DO ESCRITOR ROMÂNTICO
É desejo do escritor romântico é fugir da realidade para um mundo idealizado. Este é criado a sua imagem; à imagem de suas emoções e desejos, de sua imaginação. Nem fatos, nem tradições despertam o respeito romântico, como acontece com o clássico ou o realista. Pela liberdade, revolta, fé e natureza, em comunhão com o passado, ou fé no futuro, esse escapismo constrói um mundo novo à base do sonho.
A busca por um mundo novo é responsável por um sentimento revolucionário do romântico, ligado aos movimentos libertários e democráticos que encheram a época e à devoção a grandes personalidades militares e políti-cas.
O romântico é um sonhador, sonha com um novo mundo. Em lugar do mundo conhecido, lido com a terra incógnita do sonho, muitas vezes representada por símbolos e mitos. Acredita no espírito e na capacidade de reformar o mundo, valoriza a faculdade mística e a intuição. A natureza é muito valorizada sendo um lugar de refúgio, puro, não contaminado pela sociedade. A natureza é fonte de inspiração, guia, proteção e uma eterna amiga para o escritor romântico.

1.4 REALISMO: CONTRAPONTO INEVITÁVEL
Segundo Del Pino (1970), o Realismo inicia-se entre os anos de 1840 – 1860 e sua duração se prolongam até aproximadamente 1890.
Entre essas décadas, sucedem-se fatos que marcam o ciclo evolutivo da mentalidade e do estilo realista: insurreição contra o convencionalismo, contra o culto do eu, contra o drama romântico. É o movimento que abole os exageros.
A palavra Real vem do latim “res”, que significa coisa, objeto, fato; realismo resulta do real (+) ismo, em que o sufixo significa escola, doutrina, tendência.
A atitude realista ocorre sempre quando o homem, em lugar de acentuar seus valores íntimos, sua subjetividade, dá maior peso àquilo que está fora dele, à realidade objetiva. Assim há textos realistas muito antes de o Realismo existir como período literário.
Neste período, a atitude realista tanto passa a ser um hábito, como ainda obedece a uma série de objetivos específicos e a um método próprio, muito próximo do adotado pelas ciências naturais.
O Realismo propaga-se mais facilmente nos países submetidos a invasão industrial na mesma proporção com que são descobertas e imediatamente utili-zadas novas fontes de energia: o carvão, o petróleo, a eletricidade. Ou seja, os meios de produção adquirem um considerável impulso. Isso ocorre, praticamente, em todos os seus setores, mas, sobretudo na metalurgia, na construção naval e na indústria têxtil.
O grande crescimento das cidades, com o trabalho nas usinas, minas e fá-bricas provoca um consequente êxodo das populações rurais. Surgem e fortale-cem-se novas classes sociais entre elas, o proletariado e a burguesia.
Por outro lado, Del Pino (1970) afirma que - no plano moral - surgem novos critérios de valor nem sempre ditado pela ponderação consciente e raramente produtos de uma atitude refletida.
Ocorre um incremento das ciências com as novas invenções. As ciências entram em franco progresso nos setores da química, da mecânica, da telefonia, da astronomia matemática, da termodinâmica, da ótica, da eletrodinâmica e do eletromagnetismo. Cresce ainda a importância da imprensa por meio dos periódicos, tendo a produção massificada em virtude de novas técnicas de impressão e da criação de maquinaria para a fabricação de papel.
O apego à materialidade cresce com o otimismo e com a crença no progres-so do homem.
Neste contexto, o autor nos mostra que a história e a Crítica Literária vão acompanhando o desenrolar dos fatos.
Del Pino (1970) afirma que no plano social e econômico se dá o progresso técnico, há facilidade de transporte, tendo um progresso socialista em que a burguesia domina e os operários reivindicam. No plano moral, ocorre o livre pensamento, o ateísmo e o fatalismo. Nas ciências: o experimentalismo, o fisiologismo e o transformismo. Na filosofia é a vez do determinismo, positivismo e o materialismo. Em termos de crítica literária, temos o ambientalismo e o historicismo.
O autor ressalta que em todos os campos acontece a obsessão pelo concreto, a precisão da análise, a seriedade na coleta e no julgamento dos dados palpáveis e precisos.
Certos procedimentos característicos marcam o Realismo e servem de embasamento para a análise a ser realizada na obra Concerto Campestre de Luiz Antonio Assis Brasil: veracidade, objetividade, observação, senso documental, sensoriedade, especificidade, senso crítico e lentidão narrativa.
Del Pino (1970) apresenta a Veracidade como sendo a primeira delas e o objetivo perseguido pelos autores. Assim, eles excluem os artifícios exageradamente literários, chegando a recusar a linguagem figurada. Evitam que a emoção e o sentimentalismo prejudiquem sua visão, por isso os sentimentos são cuidadosamente dosados. Fogem, à visão esquemática ou didática do real, partindo da constatação de que ele é dinâmico e, muitas vezes, desconexo e desordenado.
A Objetividade, outra característica, é vista pelo autor com a finalidade de capturar o real com toda sua amplitude e precisão, afastam-se da matéria de que trata. Esse distanciamento só é possível pela redução, ao mínimo, da subjetivida-de, para que o objeto se imponha tal como é. Por isso, os escritores esforçam-se para não comunicar às personagens os próprios conceitos ou preconceitos.
Isto é, nega-se o valor da inspiração que é substituída pelo método da observação da realidade.
O Senso documental refere-se ao material observado. Este tende a ser analisado, como num processo de pesquisa científica a fim de que os dados mais significativos orientem a elaboração da obra.
A Sensorialidade constitui resultado da importância que assume a observação para os realistas, o que se explica pelo fato de serem os sentidos as primeiras vias de acesso de que dispõe o homem para estabelecer contato com o mundo.
O realista aprofunda seu senso de detalhe, fixando minúcias, pesando a importância dos aspectos particulares de cada ambiente, de cada ser, de cada situação, com o mesmo zelo do cientista – o que se denomina especificidade.
O senso crítico do realista é responsável pela seleção dos fatos observados, pela importância que adquirem determinadas minúcias, pela emissão de julgamentos sobre o que viu e documentou. Como decorrência, temos a lentidão narrativa. O enredo tende a ser apresentado de forma lenta, retardada pelas minúcias descritivas, pelos detalhes de natureza psicológica, pela densidade analítica que o acompanha.
Segundo Del Pino (1970), o escritor realista adere à realidade, entrega-se a ela por que nela é que vê a verdade do homem. A vida urbana adquire grande importância temática, uma vez que as cidades passam a assumir sua feição moderna. Isso, no entanto, não implica desprezo pelas características da vida rural nem se omite a contradição que começa a se esboçar entre as condições de vida na cidade e no campo.
O autor vê a função social da arte como outro traço do período realista, que passa a encarar o fenômeno estético como uma forma de atuar na sociedade, denunciando as condições de vida dos operários e dos marginalizados, abrindo as feridas da sociedade, rasgando o véu dos preconceitos, da hipocrisia, da ambição, da exploração do homem pelo homem.
1.5 ROMANCE E AÇÕES DAS PERSONAGENS
Segundo Massaud Moisés (1967), o romance romântico e o realista exploram a ação das personagens em detrimento da investigação de sua psicologia profunda.
Os Romances de Intriga – com seu enovelamento episódico – trabalham com os intuitos de sondagem do “eu” das personagens, as quais se tornam, no final das contas, indiferenciadas e convencionais. Massaud Moisés (1967) afirma que - muitas vezes não passam de bonecos postos a viver uma ação provocada pela circunstância (sentimental ou moral)- e não por um imperativo interior. Destituídas de livre-arbítrio, deixam-se arrastar pela lei do acaso, mostram-se submissas e dóceis. Nos Romances de intriga, tudo lhes é preparado, não ocorrem fatos conseqüentes de sua personalidade ou de seu íntimo modo de ser.
O autor descreve o romancista romântico como elaborador de uma perigosa manobra antes do nascimento da obra. Ele inventa uma história, ou um enredo, capazes de ajudá-lo no empreendimento; neste sentido não têm relevância os interesses pessoais ou a conveniência do enlace.
Quando um romancista tece uma intriga, cria ao mesmo tempo as persona-gens. Estas só existem agindo. Quando imobilizadas, tornam-se esboços primários do que somente poderão vir a ser ao longo da intriga.
Por esse motivo, alguns críticos literários vêem tal procedimento como artificial. Acreditam que ao pôr ênfase na intriga, como se qualquer personagem fosse capaz de viver a história que sua fantasia engendra, criam estereótipos.
Massaud Moisés (1967) aponta o divórcio provocado pelo ficcionista romântico – entre intriga e personagens – como resultante do empobrecimento da intriga, ou antes, os expedientes que desencadeiam os episódios avultam mais que eles próprios.
O conteúdo das peripécias torna-se elementar em virtude de o romanista colocar em evidência suas causas-motrizes: o mal-entendido, a calúnia, o afastamento da personagem, etc. Também representam alguns dos estratagemas que geram o suspense e mantêm viva a atenção do leitor.
Assim, a literatura abre caminhos, encontra passagens para levar o homem ao sonho e a fantasia incorpora temas, consagra grandes escritores que em uma linguagem direta colocam ao alcance do leitor conceitos que se integram no acervo de conhecimentos úteis e indispensáveis à sociedade.
Utilizando-se do Romance, o poder demiúrgico do romancista resulta, pri-meiro de tudo, na utilização - com o máximo de liberdade - dos recursos da prosa de ficção.
Assim, o romance cumpre o papel de restaurar o conhecimento e a fé, pois, por ser a recriação da realidade os ficcionistas se têm mostrado sensíveis ao tema da sociedade em decadência: quando tudo parece desmoronar é que mais se faz necessário à tarefa do romancista, pois numa unidade imaginária, dá formas, à procura de solução para a crise social.
O romance engajado há de ser, enquanto romance, criticamente bom. Quando a leitura é de entretenimento, ele se constitui, acima de tudo em uma história que se conta. Ao ler, prendemo-nos ao “e depois?” que a narrativa suscita de trecho a trecho.
À luz dessas camadas textuais, pode-se dizer que o romance pende numa escala em que um extremo é ocupado pelo entretenimento e o outro, pelo enga-jamento. Em meio aos dois, inscreve-se a cosmovisão, a arte como forma de co-nhecimento.
Com romances bem estruturados, abordando temas polêmicos, como por exemplo, “o patriarcalismo”, o romancista intervém na realidade, apresentando um trabalho criativo, com epílogos surpreendentes. O conhecimento se mumifica e o romance se torna engajado, com uma arte compromissada.
Segundo Massaud Moisés (1967) o romance apresenta pluralidade dramática, uma série de dramas, conflitos ou células dramáticas. Em principio há limite para os núcleos dramáticos que podem compor a ação dum romance. Ao ficcionista cabe selecionar os que possuem a virtualidade de se organizar harmonicamente.
O lugar dos acontecimentos vincula-se intimamente ao interior: o romance caracteriza-se pela pluralidade geográfica. Demiurgo, o romancista assenhoreia-se do espaço em que transcorre a narrativa. Num extremo, pode fazer com que as personagens viajem constantemente, e noutro que fiquem encerradas numa casa e mesmo num só cômodo.
Quanto ao tempo Massaud Moisés (1967) coloca que o romancista, mais do que o dramaturgo é o senhor do espaço e do tempo em que a própria vida humana se realiza.
Em um dia de literatura podemos viver anos e anos da existência dos personagens de um romance. O romancista pode acompanhar as personagens desde o nascimento até a morte, detendo-se nos aspectos que julgar relevantes para a narrativa; abranger oito ou oitenta anos da vida de suas personagens, sem outra restrição que a imposta pela coerência interna da outra.
O domínio dos vários tipos de tempos constitui uma tarefa difícil ao romancista, pois é voz corrente entre os críticos que um romance, para ser bom, deve satisfazer a três requisitos fundamentais: ter um enredo suficientemente rico, forte e convincente para manter uma expectativa no leitor; as persona-gens devem ser verossímeis à imagem e semelhança dos seres humanos e à reconstituição da natureza ou do espaço onde a história transcorre.
O ficcionista pode escolher numa harmonia específica qualquer uma das três modalidades básicas de tempo, o histórico, que obedece ao ritmo do relógio, o psicológico ou metafísico.
Relativo às personagens Massaud Moisés (1967) as apresenta como “pessoas” que vivem dramas e situações, à imagem e semelhança do ser humano: representações, ilusões, sugestões, ficções, uso de máscaras. Somente pessoas podem participar de romances. Animais irracionais que participem do desenrolar da trama, com conhecimentos romanescos, ou são projeções da personagem, ou invulgáreis em sua condição, ou servem, de motivo ao desenvolvimento da ação.
Ainda Massaud Moisés (1967) diz que existem tipos e caricaturas das personagens.
As personagens planas são estáticas, inalteráveis ao longo da narrativa, sempre idênticas, e não reservam surpresa ao leitor por suas características específicas, somente pelas ações. Por sua vez, as personagens redondas têm profundidade e revelam-se por uma série de características, ao contrário das planas, identificadas pelo desenvolvimento excessivo de uma virtude ou de um vício. Dinâmicas, surpreendem o leitor pela “disponibilidade” psicológica, semelhante à dos seres vivos.
Quanto à linguagem, Massaud Moisés (1967) considera o emprego de um determinado vocabulário (suas categorias morfológicas, sintáticas e semânticas) como constituinte do romance.
Na verdade um romance pode representar determinada classe social menos privilegiada e ser um romance bem feito e bem escrito. Evidentemente isso não significa concordar com uma apologia da forma, do estilo, em detrimento do conteúdo. Não se espera que o romancista despreze o estilo em que registra suas obras, nem que o torne fim único da obra.
Massaud Moisés (1967) afirma que o romance recria, mas não reproduz o mundo. Portanto, a linguagem do romance há de ser natural apropriada às leis que a regem, e não simplesmente naturalista, isto é, representar a transcrição descuidada da linguagem diária.
1.6 O PATRIARCALISMO NO ROMANCE
Sem dúvida, a literatura tem como objetivo maior o registro e entendi-mento da realidade e da época em que está inserida. Os romancistas exploram profundamente os temas abordados, muitas vezes para mostrar ao público leitor como a vida se apresenta na sociedade, ou para confrontar com descrições ve-rossímeis.
Equilibrando ficção e realidade, o autor documenta com precisão e sobrie-dade, muitos hábitos, costumes e tipos humanos do período. Os escritores levam o público leitor a obter maiores informações do mundo que os rodeia.
Um dos temas que procura produzir com exatidão os costumes da época romântica bastante explorado é o patriarcalismo, sistema em que o homem é o patrão e o chefe de todos a sua volta.
A palavra patriarcado foi inicialmente usada para referir-se ao tipo de família em que o pai ou um herdeiro masculino de sua escolha exercia o domínio da família.
Sistema patriarcal, segundo Radeliffe Brow é como se domina uma sociedade em que a descendência é patrilinear (os filhos pertencem ao grupo do pai), o casamento é patrilocal (A esposa passa para o grupo do marido).
O patriarcalismo também foi definido como qualquer sociedade em que o sexo feminino se acha em condição inferior. Os psicanalistas, inclusive Sigmend Freud e Alfred Ernest Jones, empregaram o termo patriarcal, mas não procuraram defini-lo, preferindo usar a imagem do século XIX. Esse termo faz parte da terminologia antropológica deste século.





1.8 INTERTEXTUALIDADE
A intertextualidade compreende as diversas maneiras pelas quais a produ-ção e recepção de um texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores, isto é, diz respeito aos fatores que tornam a utilização de um texto dependente de um ou mais textos previamente existentes.
Paulino (1995) informa que a noção de intertextualidade surge na década de 60, sendo aceita e usada por críticos e teóricos pós-estruturalistas. Estes acreditam que, ao produzirmos um texto, o fazemos com influência de outros textos já existentes e que os leitores os leem de maneira semelhante: fazendo correlações, lembrando de outras leituras, interligando idéias velhas a novas, etc.
Segundo o autor, a intertextualidade é um fator importante da coerência de um texto e pode ocorrer de duas maneiras: na forma ou no conteúdo.
A intertextualidade na forma acontece quando quem produz um texto repete palavras, expressões e até mesmas sentenças inteiras de outro texto qualquer. Também pode ocorrer de um escritor repetir o estilo de um determi-nado autor.
Na intertextualidade de conteúdo, os textos podem pertencer a uma mesma época, mesma ideologia, mesma cultura, e essa relação podem ocorrer de maneira implícita ou explícita.
O termo intertextualidade ainda é utilizado para falarmos de uma leitura não-passiva, em que o leitor usa de seu conhecimento de mundo e leituras feitas anteriormente para criar uma relação com o texto que está lendo. Assim, faz interpretações que talvez nem tenham ocorrido na mente do escritor quando este produziu seu escrito.
Pode-se afirmar que a intertextualidade é importante para a leiturabilidade dos textos literários bem como para outros tipos de textos.
Proença (1997), ao tratar da intertextualidade, declara que as palavras de um enunciado estão carre¬gadas de significação vinculada a inúmeros contextos vivi¬dos, e toda comunicação envolveria a interação de um fa¬lante, um destinatário e um "personagem" (de que se fala) envoltos por um horizonte comum que possibilita a com¬preensão dos elementos ditos e não ditos.
Ainda argumenta que a realização de qualquer comunicação ou interação verbal envolve uma troca de enunciados, situa-se na dimensão de um diálogo.
À luz desses posicionamentos, o discurso literário en¬volve um cruzamento, um diálogo de vários textos, que se dá em nível horizontal e em nível vertical. Em termos de horizontalidade, a palavra, no texto, pertence, ao mesmo tempo, a quem escreve e ao destinatário; verticalmente, é orientada na direção do corpus literária anterior ou do contemporâneo.
Proença (1997) finalmente aponta a caracterização da intertextualidade como responsável pela ”leitura", por exemplo, em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, de Os sertões, de Euclides da Cunha, e do discurso da Bíblia; o texto bíblico, aliado ao texto da mitologia clássica e ao texto da história do Brasil aparece em Esaú e Jacó, de Machado de Assis (a propósito, pode-se ler de Affonso Romano de Sant'Anna, estudo publicado em Análise estrutural de romances brasileiros, das Vozes). A mesma Bíblia, a história da conquista da América e o mito edipiano cruzam-se em Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Márquez, como demonstra Selma Calasans Rodrigues em tese de doutorado apresentada à Faculdade de Letras da UFRJ, em 1985, só para citar três exemplos significativos.
O autor finaliza dizendo que todo texto se converte num mosaico de cita-ções, absorção e transformação de outros textos, cons¬ciente ou inconscientemente aproveitados pelo escritor.
1.8 LITERATURA COMPARADA: CAMINHO PARA A PESQUISA
O acompanhamento dos estudos na área da Literatura Comparada tem possibilitado, à grande maioria dos estudantes e professores de Letras, aperfeiçoar e renovar seu crescimento literário. Isso porque tais procedimentos, segundo Wellek (1963) colaboram para se atingir o objetivo principal dos estudos literários:
“Nos estudos literários, a teoria, a crítica e a história colaboram para se atingir seu objetivo principal: a descrição, interpretação e avaliação de uma obra de arte ou qualquer conjunto de obras de arte” (apud POSNETT, 1994.p.117)
Segundo Posnett (1994), o método comparativo da aquisição de conheci-mento é muito antigo. Para ele, toda a razão, toda a imaginação, opera subjetivamente e passam para os indivíduos com a ajuda de comparações e diferenças.
Wellek (1994) nos informa que a Literatura comparada surgiu como uma reação contra o nacionalismo limitado de muitos estudos do século XIX, como um protesto contra o isolacionismo de muitos historiadores da literatura francesa, alemã, italiana, inglesa, etc. Isso porque – apesar da discussão em torno das de-nominações (geral e comparada) - esta Literatura representa o estudo que transcende os limites de uma literatura nacional.
Com sabedoria, o autor lembra que nos estudos literários, a teoria, a crí-tica e a história colaboram para se atingir um objetivo principal: a descrição, interpretação e avaliação de uma obra de arte ou qualquer conjunto de obras de arte.
Apesar do presente trabalho não transcender os limites da literatura nacional, não anula seu caráter comparativo. Até porque, segundo Wellek (1994):
Não existem direitos de propriedade e nenhum “investimento de capital” reconhecido nos estudos literários. Todos podem investigar qualquer questão, mesmo que esta se restrinja a uma única obra ou língua e podem estudar até mesma história, filosofia ou qualquer outro tópico. Sem dúvida, corre-se o risco de ser alvo de crítica por parte dos especialistas, mas este é um risco que se deve correr ( p.115).
Assim, apesar de saber que a literatura comparada requer que uma obra, autor, tendência ou tema seja realmente comparado a uma obra, autor, tendência ou tema de outro país, já existem especialistas que vêem a possibilidade de reali-zar-se um estudo entre obras de mesma nacionalidade, caso deste trabalho.
2 LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL 2.1 VIDA E ARTE
Luiz Antonio de Assis Brasil nasceu em Porto Alegre, mas viveu até a adolescência em Estrela. Local de seu primeiro convívio com a arte: a música.
Professor, músico, romancista e novelista autor de inúmeras obras, é um dos escritores que mais publicam no estado e no Brasil. Seus romances, num estilo fluente, focalizam o regionalismo e as origens do povo rio-grandense. Alu-nos e professores de história têm, neste autor, uma fonte considerável de conhe-cimento sobre o estado e seu povo.
Em uma entrevista dada ao dramaturgo Ivo Bender e à jornalista Cida Colin, Assis Brasil (2002) declara que poucos foram os episódios da infância registrados na literatura. Segundo o autor, a paixão pela palavra, a origem de suas personagens vem de grandes literaturas e estudos feitos através de exemplos clássicos. Ainda define o ato de escrever como uma forma de repre-sentar a vida e retratar a alma humana.
Com trabalhos inspirados em acontecimentos passados, Assis Brasil (2002) diz que parte de uma idéia lê textos diversos, primários (cartas, diários, coisas que revelem aquilo que subjaz na história, que não estão nos livros de história) e depois de muitas pesquisas traça uma linha do tempo e começa a escrever, conseguindo assim criar belíssimas personagens. Sabendo que o leitor gosta de estar informado, conhecendo termos, paisagens, cenas, ele esmiuça o passado para mostrar fatos, cenários e sentimentos ainda não vistos.
Nesse sentido o autor afirma:
“Hoje, 1988, final século XX, há pessoas na América Latina, no Brasil, no Rio Grande do Sul, que vivem ainda no neolítico. Então, eu me sinto muito à vontade em trabalhar o passado, porque juntamente, entre nós convivem to-dos os séculos”. (Revista Autores Gaúchos, pág. 04)
Em Luiz Antonio de Assis Brasil o uso da técnica da literatura encontra seus pontos máximos. Perito no assunto é visto pelos críticos gaúchos como romancista que “sabe desenvolver uma narrativa com as pontuações corretas, administrando os picos e os vales de dramaticidade” (Revista Autores Gaúchos).
Especialmente em Concerto Campestre, o autor acrescenta seus conheci-mentos de música, delengando-os ao personagem. Além disso, lança mão da harmonia dos compassos para acentuar aos desvarios de uma história de amor.
Concerto Campestre mantém a tradição de suas inspirações. A paisagem é uma região rural gaúcha do século passado, terreno que palmilha com segurança. A semente da novela foi extraída do relato verídico ouvido por Assis Brasil da escritora sua amiga Hilda Simões Lopes.
Conforme Assis Brasil, a história da moça abandonada no boqueirão lhe foi contata pela amiga e aconteceu no século passado, nos campos de sua família. É, portanto, uma “história real”, o que lhe dá certa nota picante; mas aqui, como em todas as realidades a fantasia ocupa o lugar do trivial e do desconhecido – e isso é apenas uma homenagem a literatura.
Assis Brasil é um escritor de questionamento da realidade histórica, apresentando-o numa perspectiva crítica.
Em Concerto Campestre, a vertente crítica não se mostra apenas como formulação discursiva, mas como forma de conhecer o mundo. Assis Brasil acolhe mundos simultâneos que alteram as passagens entre o universo mimético e o real e a insurgência dos sonhos, do alegórico e do espectral.
Se, pela vertente irônico Concerto Campestre pune a sociedade e os costumes, usando de ironia ao mesmo tempo em que relata o debater-se inútil das vítimas, fantoches de um mundo decaído; pela segunda vertente, a obra instaura o grotesco como manifestação formal de uma ordem de mundo essencialmente barroca.
Segundo Masina (2003) trata-se de um trabalho de alegoria barroca, pela seleção de episódios que o texto apresenta, manifestando as oposições desses mundos em que a chuva de sangue é o castigo bíblico: a ordem fora rompida. A fantasmagoria da videira, o caráter sepulcral da tapera onde Clara Vitória será confinada pelo pai.
Em Concerto Campestre o autor ultrapassa a crítica à sociedade: força e tragédia, máscara e face. Não obstante, a máscara deixa a face – e isso ocorre quando Clara Vitória e o maestro encolhem-se diante das circunstâncias, reco-nhecendo seus limites e a sua pequenez.
Resistindo ao desespero, separam-se, embora mantendo um amor sem pro-jetos, desejos epifânico de que tudo terminasse bem. A experiência dolorosa do maestro, no decorrer dos concertos, na estância, fizera-o ver o fosso que separa-va os dois mundos, o dos pardos e pobres e o mundo dos brancos e ricos, cujos códigos ele jamais poderia atingir.
Narrativa realista tradicional, a história acontece numa fazendo do interior gaúcho em meados do século XIX, contudo apresenta inúmeras características do romance apresentadas no referencial teórica deste trabalho.










3 PROPOSTA PARA UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA ESTRUTURA NARRATIVA DE ROMANCES ROMÂNTICOS
A exposição sobre os procedimentos de análise adotados visa a explicitá-los e justificá-los, levando-se em consideração os objetivos que norteiam o presente estudo, a linha teórica em que se encontra inserido e trabalhos de orientação semelhantes aos quais se obteve acesso na revisão da literatura.
Assim sendo, apresentar-se-á as etapas da análise realizada, buscando explicar e justificar cada uma delas.
Como o objetivo da presente monografia é caracterizar a ruptura da estrutura clássica romântica na obra Concerto Campestre de Luiz Antonio Assis Brasil, o primeiro procedimento adotado é a releitura de alguns romances brasileiros e o estabelecimento de uma síntese da trama de cada obra com o respectivo recorte do seu final (Quadro 1).
A seguir procede-se um estudo sobre a obra Inocência de Taunay – selecio-nada para trabalhar a intertextualidade literária entre as obras – bem como informações sobre o autor.
Finalmente procede-se a argumentação em relação à ruptura narrativa em Concerto Campestre.

3.1 ANÁLISES ESTRUTURAIS DE ROMANCES BRASILEIROS
Analisando vários romances românticos dos períodos do Romantismo e do Realismo observa-se que a imaginação do ficcionista reproduz na literatura uma criação do real, recriando um caos simultâneo do mundo em que o leitor culto se debruça para melhor compreender-se e compreender a realidade circundante.
Em todas as análises de romances brasileiros apresentados – quadro 1 - pode-se observar um final infeliz, as personagens vivem geralmente submissas ao patriarcalismo, aos amores correspondidos, porém, proibidos, que não se concretizam, caracterizando os epílogos com fatos surpreendentes, absurdos e trágicos.

OBRAS ENREDO SINTESE FINAL
O GUARANI
Personagens:
D. Antônio de Mariz: fidalgo Portu-guês
D. Lauriana: sua mulher.
D. Diogo de Mariz: filho do casal.
Cecília: menina-moça-filha do casal.
Isabel: moça semi-índia fruto de amores proibidos de D. Antônio.
Loredano: ouve a confissão de um a-ventureiro moribun-do e obtém dele o mapa de uma grande mina de prata.
Peri: pedica-se de corpo e alma e protege Cecília. D. Antônio de Mariz, fi-dalgo português descontente com a dependência de Portu-gal à coroa espanhola instala-se com a família às margens do rio Paquequer, formador da Paraíba. Cerca-se de um escudeiro e homens de armas de um fidalgo fiel (Álvaro) e de um índio goitacá (Peri), que devota à filha adolescente do nobre (Cecília) uma adoração quase religiosa.
Durante uma caçada, a filha de um cacique Aimoré é ferida fatalmente. O fato provoca revolta na tribo, que passa a hostilizar os brancos. Na proteção da família destaca-se a ação do bravo índio Goitacá, atento não só ao perigo repre-sentado pelos Aimorés, mas também as intenções do inescrupuloso Loredano. D. Antônio quando vê esgotadas as possibilidades de resistência, pede a Peri que salve Cecília. Em seguida ateia fogo aos barris de pólvora, destruindo com a explosão índios e portugueses.
O romance termi-na com Peri e Ceci navegando sobre a copa de uma palmeira arrastada por uma grande inundação.
O SERTANEJO
Capitão-Mor, Campelo: fazendeiro, o senhor mais temido e respeitado na regi-ão.
D. Genoveva: mulher de campelo.
D. Flor: filha do casal, jovem linda, cheia de graça, personagem central da obra.
Arnaldo: va-queiro ágil e moço, personagem central do romance.
D. Marcos Fra-goso: fazendeiro pre-tende casar-se com D. flor.
Jó: velo sem lar e sem rumo confiden-te de Arnaldo. Fragoso quer tirar D. flor de Arnaldo, Fragoso capturar um o boi dourado, junto de uma manada selvagem para agradar D. Flor, não consegue. Quem captura o boi é Arnaldo, que nunca o marca com um F e o solta tornando-o proprieda-de da moça.
Fragoso após muitas tentativas de conquistar D. Flor sem sucesso começa a fazer emboscada para tentar conquistá-la, com a recusa de casamento Fragoso fica louco de ódio. De repente aparece na fazenda a cigana Rosinha, disfarçada rapta D. Flor. Porém Arnaldo a salva.
Fragoso pede D. Flor em casamento. A recusa é clara e taxativa. Durante o casamento de Flor com seu primo Barbalho o bando de Fragoso ataca o território, muitos morrem, o noivo é atingido por uma flecha sonífera. Fim de batalha.
Flor volta e diz a Arnaldo “Deus não quer que me case”.
IRACEMA
Iracema: índia moça, fila de Ara-quém, o pajé.
Martim: jovem, soldado branco.
Irapuã: chefe dos tabajaras.
Araquém: pajé dos tabajaras, pai de Iracema.
Caiubi: irmão de Iracema.
Moacir: filho de Iracema.
Poti: amigo-irmão de Martim. Iracema era filha da A-raquém, o pajé da tribo, era também a virgem consa-grada do deus Tupã. Só ela detinha o segredo do preparo da Jurema. Ela deveria permanecer virgem, mas se apaixonou por Martim Soares Moreno é por ele correspondido.
Ambos fogem, ela en-gravida e se casam num ritu-al indígena. Numa das au-sências de Martim, Iracema dá a luz a Moacir (cujo significado do nome, em português, é “filho da dor”). Quando o marido volta Iracema, roída pela saudade e pelo medo do abandono, só tem tempo de despedir-se dele e de entregar-lhe o fi-lho antes de morrer. De posse de Moacir, Martim retorna para Portugal. A obra termina com final trágico, pois I-racema morre, deixando o marido e o filho.
O CABELEIRA Desde pequeno dividi-do entre Joana, a mãe amo-rosa e boa que queria vê-lo no caminho do bem, e Joa-quim Gomes, o pai matador, ele tem uma personalidade ambígua.
Oscila entre as seres-tas de viola, instrumento que toca com sensibilidade, e a vida de crimes, que nem mesmo seu amor por Luisi-nha conseguiu coibi. Morta a amada nos descaminhos do sertão nordestino, ele anda sem rumo até ser pego por seus perseguidores e en-forcado ao lado do pai, em praça pública.
O SEMINARIS-TA Eugênio e Margarida conhecem-se ainda crianças e juraram amor eterno. Eu-genio, obrigado por uma promessa materna, é posto num seminário. Vai, mas promete a namorada não se ordenar, e lhe diz que, alcançada a maioridade, fugiria de lá e viria buscá-la.
Seus pais lhe inscre-vem mentindo que Margarida havia se casado. Desapontado, ele se ordena e faz o voto de castidade. De volta à cidade natal, ele a reencontra em péssimo estado de saúde. Fica então sabendo do logro dos pais.
O final é tanto quanto moralizador: Margarida morre e Eugênio enlouquece.
INOCÊNCIA
Inocência: filha de Pereira, linda e i-nocente.
Pereira: pai.
Cirino: falso médico apaixona-se por ela.
Cesário: padri-nho de Inocência.
Manecão: mari-do destinado a inocência.
Tico: anão a serviço de Inocência. Órfã de mãe desde o nascimento, a personagem-título é criada pelo pai, Pereira, mineiro afetuoso, mas turrão.
Pereira decide casá-la com Manecão, homem honrado e rude como ele. Tudo vai bem até Inocência se apaixonar por Cirino, um curandeiro que foi trazido à fazenda para curá-la da maleita. Faz-se então o drama: o pai não quer ceder, e a moça, herdeira de sua teimosia, não abrirá mão de seu amor. A história termina em tragédia: Cirino é morto por Manecão e Inocência também morre.
MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS
Leonardo: per-sonagem principal.
Leonardo Pata-ca: Pai.
Padri-nho\Madrinha: criam Leonardinho
Maria: mãe de Leonardinho.
Vidinha: dá asi-lo a Leonardinho e e-namora-se dele.
Chiquinha: filha do compadre, amásia de Leonardo Pataca.
Luisinha: Cria-da por D. Maria casa-se com Leonardinho. Leonardinho é um me-nino endiabrado que, abandonado pelos pais, passa a ser criado por um padrinho. Sonso, dissimulado, traquinas, e dono de uma esperteza que não chega a ser inteligência. Ele é safo debochado, malan-dro, e vive metendo-se em confusões, voluntariamente ou não.
Malvisto pelos visi-nhos, tido como incorrigível na escola, ele atravessava a infância protegida pelo olhar benigno do padrinho, cego à sua genuína índole. Na adolescência apaixona-se por Luisinha, criatura tímida e desajeitada, que acaba se casando com um calejado malandro carioca, interessa-do na herança que ela recebia dos pais e madrinha abonada quando alcançasse a maior idade.
Ao perder o padrinho com vinte e um anos, aconte-cem mil peripécias. Os con-frontos com o severíssimo Major Vidigal, seus amores com a mulata Vidinha, até o seu reencontro com Luisinha e o casamento. O tempo, que não pára, vai ceifando a vida de cada um, numa enfi-ada de acontecimentos quase todos tristes.
DOM CASMUR-RO
Bentinho: filho único destinado ao seminário.
Capitu: namorada de bentinho e depois esposa.
Glória: mãe de Bentinho.
José Dias: agre-gada da família.
Escobar: ex-colega, amigo intimo de bentinho.
Tio Cosme: ad-vogado viúvo.
Justina: prima de glória.
Forturata: mãe de Capitu.
Pádua: pai de Capitu.
Padre Cabral: amigo da família.
Ezequiel: filho de Bentinho e Capitu.
Sancha: amiga de Capitu casa-se com Escobar. Filho único, órfão de pai, Betinho é criado pela mãe, com vida confortável teve a infância reduzida ao ambiente domestico. Para cumprir uma promessa feita pela mãe, deveria ingressar num seminário quando tivesse a idade apropriada.
A única pessoa que ele mantém contato fora do ambiente doméstico é a vizinha Capitu. Sua presença de espírito, sua capacidade de dissimulação chocavam Betinho. Se não a paixão por Capitu ele teria se ordenado padre. Durante sua estada no seminário conhece Ezequiel Escobar, que viria a ser seu amigo e causador d discórdia de Betinho e Capitu, o casamento foi fer-mento para a paixão e o ciú-me, inevitável e obsessivo.
Betinho passou a ter suspeita, e a semelhança existente entre o filho e Escobar só fizeram alimenta-los. Essa desconfiança não se confirma, mas foi suficiente para envenenar sua alma. Traído ou não traído, Betinho deixou que sua vida fosse arruinada, isolou-se, tornou-se cético e amargo.
Capitu, o filho, Es-cobar todos morrem, fi-cando somente Betinho, que retoma sua trajetó-ria de vida como Dom Casmurro.
O final é trágico
O PRIMO BASÌLIO
Luísa: esposa de Jorge, jovem e bonita.
Basílio: primo de Luísa, hipócrita.
Jorge: marido de Luísa, ama muito a esposa.
Juliana: empre-gada, revoltada com a pobreza, odeia sua patroa.
Sebastião: ami-go íntimo de Jorge. Luísa moça bonita e fúvola casou-se com Jorge, um dia soube que o primo Basílio retornaria a Portugal, Luísa teve um breve namoro com Basílio na mocidade, logo in-terrompido pela viagem dele ao Brasil. Luíza encontra Basílio, que se gaba de suas viagens, tornam-se amantes. A empregada Juliana que odeia a patroa descobre o romance e começa a chantageá-la. Luíza vai defi-nhando com a situação, o único consolo de Luíza era Sebastião, amigo íntimo de seu marido, que sabia das pequenas infidelidades de Jorge. Ao ver o estado de prostração de Luíza, Jorge a perdoa, mas é tarde. O final é trágico, pois Luísa falece logo depois de Juliana.
Quadro 1- Análise estrutural de romances românticos (criado pela autora)
Como se pode perceber todos os textos citados têm por objetivo enfatizar problemas humanos existenciais. Todas as obras examinadas apresentam como tema central conflitos familiares, apontando o extremo poder patriarcal, sempre direcionando os amantes do romance à tragicidade. Este foi um tema bastante ex-plorado dentro do romance romântico. Os autores utilizavam-se da literatura para denunciar problemas sociais.
Sabe-se que no Romantismo – através do romance clássico - encontrou-se o melhor veículo para a propagação de ideias. O romance, forma narrativa moderna, surgiu como resposta a necessidade de expressão, da parte do escritor, e as determinadas expressões, da parte do leitor.
Com a necessidade de chocar o público leitor, os autores românticos exploravam a importância conferida à paixão, que já agora não só proclama seu valor intrínseco, como reclama seus direitos e sua liberdade mesmo que seja encontrada através da morte.
3.2 TAUNAY: PERFIL BIOGRÁFICO
Escritor de transição entre Romantismo e Realismo, Alfredo d’Escragnolle Taunay, conhecido como Visconde de Taunay (Rio de Janeiro 1843 - 1897) apresenta descendência francesa. Jornalista, crítico de arte, historiador, musicista, pintor e romancista tiveram suas obras literárias publicadas com os pseudônimos de Silvio Dinarte e Heitor Malheiros.
Segundo Coutinho (1997) dos romances de Taunay, o único que conseguiu sobreviver foi exatamente o que lhe deu nomeada e o tornou conhecido fora do Brasil. Traduzida para quase todas as línguas cultas modernas, inclusive o japonês, a obra “INOCÊNCIA”, durante certo tempo, foi leitura popular. No Brasil, o prestígio, embora diminuído, ainda perdura; as edições nacionais se repetem, alcançando já mais de cem mil exemplares, e “INOCÊNCIA” ainda hoje é lido por grande parte do público brasileiro.
Coutinho (1997) diz que o segredo da popularidade de “INOCÊNCIA” reside na conjugação de vários fatores do mesmo modo importante, ou cuja fusão resultou qualidades novas capazes de despertar a curiosidade e o interesse mesmo do público estrangeiro. A uma história de amor de acentuado sabor romântico, que se passa no interior do Brasil, na região central, junta “INOCÊNCIA” uma descrição realista de hábitos e costumes, episódios e cenários da vida sertaneja, até então inédita em nossa literatura.
O autor explica que tendo Taunay conhecido de muito perto as regiões nas quais se desenvolve a história, o autor transportou para a sua narrativa grande parte da experiência regional que adquirira nas viagens e campanhas militares a-diantando-se desse modo ao regionalismo.
Taunay fixou os costumes sertanejos e através da descrição dos cenários da história, da leveza e naturalidade dos diálogos espontâneos e vivos que pontuam a narrativa, caracterizou as personagens peculiares à região e algumas particularidades do falar local. Finalmente, à maneira natural e simples com que movimentou personagens e fatos do romance ainda agradam o leitor.
O escritor foi um dos primeiros prosadores brasileiros a emprestar a linguagem coloquial regional a suas obras, seu agudo senso de observação e análise, aliado a uma convivência riquíssima da paisagem e da história do Brasil resultou num romance ímpar.
Sendo um autor não dominado pelo sentimentalismo, soube conjugar as características fundamentais da estética romântica com grande acuidade na construção de tipos e na descrição das paisagens brasileiras. Focalizou os usos e costumes do interior do país, em narrativas pitorescas.
É notável como o narrador nos apresenta o choque de duas concepções de mundo extremamente diversas.
3.2.1 INOCÊNCIA: REALIDADE E FICÇÃO
O romance inicia com Pereira, homem do sertão, preso a padrões estritos de comportamento, mantendo sua bela filha Inocência reclusa em seu lar.
Alguns críticos acreditam que Taunay conta seu relacionamento com uma jovem que conheceu no Mato Grosso, o que acaba mesclando realidade e ficção na obra. Alguns arriscam mesmo afirmar que a partir daí percebemos a origem mais íntima da personagem-título de “Inocência”, protótipo da mulher sertaneja imaginada pelo autor.
Taunay foi um autor além da maioria dos romancistas, entre os quais se incluíam alguns que, embora também usassem temas sertanistas, não tinham realmente muita experiência do interior brasileiro. O autor ao contrário, afirmava escrever sobre o que conhecera. Aliás, o próprio Taunay se manifestou sobre isso, embora não diminuísse de modo algum a importância e o valor dos outros romancistas.
Nesse romance, o rigor do observador militar que percorreu os sertões mistura-se à capacidade imaginativa do ficcionista. O resultado é um equilíbrio entre a ficção e a realidade raramente alcançado na literatura brasileira.
Elabora diálogos com a coloquialidade graciosa e natural do novo sertanejo “Nocência”, “Por que se tocou assim no quarto”, “É bom não se canhar assim”, “sestiando”, “Nhor-sim”, “quer mecê”, mas também utiliza a linguagem culta.
Reforça-se uma das principais características do Romantismo europeu: a concepção de um único e idealizado amor, cuja impossibilidade de realização leva os protagonistas à morte. (Inocência era fiel ao seu princípio amoroso, foi capaz de morrer de tristeza em face da ausência definitiva do amado).
Faz um retrato apurado de usos e hábitos de sertão mato-grossense, que são identificados desde elementos do vocabulário até a indicação dos hábitos que o texto apresenta na paisagem, nos tipos humanos e na linguagem.
Deixa claro que considera “injuriosa” a opinião que os sertanejos têm sobre as mulheres, também afirma que Cirino não era um homem do sertão, o que nos faz perceber a diferença marcante entre o noivo e o homem por quem Inocência morre.
No período da criação de Inocência, o Romantismo entrava em declínio e o Realismo se aproximava. Portanto, esta obra reflete a transição para o Naturalismo por causa de uma grande e infalível característica: o homem é produto do meio, ou seja, as pessoas agem de acordo com o tipo de vida que levam. Predomina a ação sobre a razão, além da supervalorização do amor.
Segundo Bosi (1994)
“por temperamento e cultura, Visconde de Taunay tinha condições para dar ao regionalismo romântico a sua visão mais sóbria. Homem de pouca fantasia, muito senso de observação, formado no hábito de pesar com a inteligência as suas relações com a paisagem e o meio (era engenheiro, militar e pintor), Taunay foi capaz de enquadrar a história de Inocência (1872) em um cenário e um conjunto de costumes sertanejos onde tudo é verossímil. Sem que o cuidado de o ser turve a atmosfera agreste e idílica que até hoje dá um renovado encanto a leitura”.
Já Candido (1997) afirma que “no primeiro capítulo de Inocência (“O sertão e o sertanejo”) a paisagem e a vida daqueles ermos são apresentados a partir de alguns temas fundamentais; composto em seguida num ritmo que se diria musical.
Lellis (1970) coloca que “o mais conhecido de todos os romances de Taunay é sem dúvida Inocência, episódio simples, de um autor infeliz, de que o autor se vale para desenhar a rudeza do espírito patriarcal, com toques de feudalismo, que caracterizavam a família brasileira no sertão, no final do Impé-rio”.
É neste livro que mais se pode ver a dualidade romântico-realista que coe-xistia no espírito do autor, porque ele apresenta, de par com passagens duramente desenhadas, bem ao sabor do realismo, como aquela do morfético, outras, de uma doçura e do colorido bem ao gosto da escola literária que ia agonizando, como aquele encontro dos namorados no laranjal.
Inocência foi publicado em 1872, o romance traz a descrição de uma região, situada numa confluência das províncias de Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, e de personagens urbanos e sertanejos que se interagem e se confrontam com seus costumes e valores sociais. É a história de um amor impossível envolvendo Cirino, prático de farmácia que se auto promoveu a médico e Inocência, uma jovem do sertão de Mato Grosso, de rara beleza, filha de Pereira, pequeno proprietário, de certas posses. O romance de Taunay apresenta uma visão crítica do patriarcalismo brasileiro.
Órfã de mãe desde o nascimento, Inocência é criada pelo pai, Pereira, um mineiro afetuoso, um sujeito conservador, durão, para quem os valores da pala-vra, da honra estão acima de tudo, até da felicidade da filha que ama.
Pereira decide casar Inocência com Manecão Doca, homem honrado, trabalhador, rude e que acumulou fortuna.
A história inicia-se dia quinze de julho de mil oitocentos e sessenta. Um ho-mem viaja montado em seu cavalo, distraído e pensativo. Ele tem “quando muito vinte e cinco anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados quase a escovinha e ar tão inteligente quanto decidido”. Aproxima-se dele outro viajante, um “homem já de alguma idade, o recém chegado era gordo, de compleição sanguínea, rosto expressivo e franco. Trajava à mineira e parecia, como realmente era, morador daquela realidade”. Eles se apresentam e começam a conversar.
O rapaz chama-se Cirino Ferreira de Campos, é “caipira de São Paulo”, mas foi criado em Ouro Preto, Minas Gerais. Viaja “sem destino certo”, “curando maleitas e feridas brabas”, precisa ganhar algum dinheiro, pois tem uma dívida de jogo para saldar.
Outro homem é Martinho dos Santos Pereira, que gosta muito de “prosear”. Ele nasceu em Minas Gerais, casou cedo, viveu em Diamantina até a sua esposa morrer. Vendeu então sua loja de ferragens e há doze anos “nestes socavões”. Pereira convida Cirino para se hospedar em sua “tapera” e, ao saber que ele é “médico”, informa que tem uma filha que está adoentada e com febre. Cirino aceita o convite e hospeda-se na casa de Pereira.
Cirino, na verdade, não era médico. Mas “em localidade pequena, de sim-ples de boticário a médico não há mais que um passo”. Seu pai vendia medicamentos e o mandou aos doze anos viver com seu padrinho em Ouro Preto. Lá estudou no colégio do Caraça, mas, quando o tio morreu, o rapaz foi excluído do colégio. Tinha dezoito anos e foi “servir de caixeiro numa botica velha e manhosa”. Aprendeu a receitar e passou a fazer excursões pelo interior, medicando as pessoas, utilizando-se “de alguns conhecimentos de valor positivo outro que a experiência lhe ia indicando o que a voz do povo e a superstição ministravam”.
O manual em que se baseava era um guia médico descritivo de doenças e de uso de medicamentos e empregos de ervas medicinais. Seu autor, Pedro Luís Napoleão Chernoviz (1740-1814), médico polonês, vivera quinze anos no Rio de Janeiro. Cirino era, portanto, “curandeiro, simples curandeiro”, que ia por toda a parte granjeando o tratamento de doutor, que gradualmente lhe foi parecendo a si próprio, título inerente a sua pessoa e a que tinha incontestável direito.
A casa de Pereira era dividida em duas partes: um cômodo destinado aos hóspedes, “todo fechado com exceção da porta da onde se entrava” e, nos fundos, a casa da família, vedada “as vistas dos estranhos e sem comunicação interna com o compartimento da frente”. Depois de comer e descansar, Pereira leva Cirino para que veja a filha adoentada. Mas antes avisa que o doutor deve se comportar, pois é muito desconfiado. Explica que a filha, “Nocência”, tem dezoito anos, é “muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa de ver... Coitada foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões”. Esta “apalavrada” e vai se casar, por determinação do pai, com o Manecão Doca, “um homem às direitas, desempenado e trabucador como ele só... fura estes sertões todos e vem tangendo contas de gado que metem pasmos”. Pereira faz questão de frisar sua opinião sobre as mulheres:
“Esta obrigação de casar as mulheres é o diacho!... Se não tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam, podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias! Hi, meu Deus, mulheres numa casa é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar (...). O Manecão que se agüente, quando a tiver por sua... Com a gente de saia não há que fiar... Cruz! Botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega olho”.
Depois de pedir a Cirino para que ele veja a doente, sem olhar para a mulher, este lhe responde que está acostumado “a lidar com as famílias e a respeitá-las”, ainda que discorde da opinião de Pereira sobre as mulheres, porque “não há motivo pra tanto desconfiar delas e ter os homens em tão boa conta”.
Cirino fica encantado com a beleza de Inocência e se apaixona pela jovem, mas disfarça para que seu pai não note. Ela é assim apresentada: “Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência de beleza deslumbrante. Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces. Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado. Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de nascença.”
Além dos cuidados excessivos de seu pai, Inocência também é protegida pelo anão Tico. O anão é praticamente mudo como diz Pereira: “Não pode falar... isto é, sempre pode dizer uma palavra ou outra, mas a custo e quase a estourar de raiva e de canseira. Quando a se mete a querer explicar qualquer coisa é um barulho dos seiscentos, uma gritaria dos meus pecados...” Mesmo assim, conse-gue se comunicar muito bem e “é uma espécie de cachorro de Nocência”.
Naquela mesma noite, chegou à casa de Pereira um naturalista alemão, chamado Guilherme Tembel Meyer, que caça borboletas e as envia para a Alemanha para serem estudadas. Pereira lhe dá abrigo e acaba por descobrir que ele tem uma carta de recomendação de seu irmão, Francisco, que não há mais de quarenta anos. Decide tratar o alemão com se fosse da família e o apresenta à fi-lha.
Meyer, fascinado pela beleza de Inocência é ignorante dos costumes serta-nejos, faz muitos elogios à jovem, o que deixa Pereira furioso e preocupado. Com medo de que Meyer “ponha a sua filha a perder”, passa a vigiá-lo de perto, levando-o pessoalmente à mata para encontrar e caçar os insetos. Desconfiando de Meyer passa a confiar em Cirino, que aproveita a oportunidade para ver Inocência e declarar seu amor. Ela também está apaixonada, mas se sente culpada e tem medo de enfrentar a fúria paterna: “Se papai aparecesse... não tinha o direito de me matar?...” A frase demonstra o quanto Inocência se sente propriedade do pai e tem seus valores machistas incorporados. Mas a interrogação reflete também a dúvida suscitada pela paixão a Cirino. Mais tarde, ela fala: “–... nestes dias tenho aprendido muita coisa. Andava neste mundo e dele não conhecia maldade alguma... A paixão que tenho mecê foi como uma luz que faiscou cá dentro de mim. Agora começo a enxergar melhor... Ninguém me disse nada, mas parece que a minha alma acordou para me avisar do que é bom e do que mau... Sei que devo deter medo de mecê porque pode botar-me a perder... Não formo juízo como, mas a minha honra e a de toda a minha família estão nas suas mãos...”
Enquanto Meyer está hospedado na casa de Pereira, Cirino consegue con-versar com Inocência à noite na janela de seu quarto, pois Pereira dorme na casa de hóspedes para melhor vigiar o naturalista. Porém, Meyer, depois de descobrir uma nova espécie de borboleta e denominá-la Papilio Innocentia, em homenagem a beleza de Inocência, continua a sua viagem. E Cirino não tem coragem de falar com Pereira sobre a jovem, já que ele sempre ameaça matar o homem que lhe “desonrar a casa”.
Enquanto Meyer caçava borboletas, Cirino podia procurar e conquistar “a sua borboleta”. Meyer encontra “a sua Inocência” – a Papilio Innocentia – um “lindíssimo espécime, verdadeiro capricho da esplendida natureza daqueles paramos”, e decide partir. Cirino, então, passa a correr o risco de perder “a sua borboleta”, a amada Inocência.
O noivo de Inocência está para voltar, os dois jovens, desesperados, decidem que Cirino deve ir à casa do padrinho de Inocência, Antônio Cesário, tentar convencê-lo a interceder junto à Pereira em favor do seu amor. O padrinho mora “pra lá das Parnaíbas, já nos terrenos Gerais”.
Cirino calcula que vai levar uma semana para ir e voltar. Despede-se da amada, inventa uma desculpa para Pereira e parte em direção a fazenda de Antônio Cesário. No caminho, cruza com Manecão, que está indo à casa de Pereira com tudo pronto para a realização do seu casamento com Inocência.
Cirino chega à fazenda do padrinho, abre-lhe o coração e este diz que vai pensar. Combinam, então, que se Antônio resolver ajudá-los, ele se encontrará com Cirino, num prazo máximo de oito dias na vila de Santana do Paranaíba e i-rão juntos para a casa do compadre Pereira.
Enquanto isso, Manecão é recebido festivamente por Pereira em sua casa. No entanto, Inocência está muito triste e parece doente. Chamada por seu pai para conversar com seu noivo, ela diz que não se lembra de ter concordado com o casamento, afirma que não quer se casar e seu pai a agride. Pereira acredita que foi Meyer o causador de sua desgraça. Enquanto decidem quem vai matar o alemão, o anão Tico comunica a Pereira que ele está enganado, não fora o alemão o responsável, mas sim Cirino. Pereira fica furioso. Manecão o acalma e diz que vai atrás do médico “desagravar a honra” de ambos.
Manecão segue Cirino durante três dias, enquanto este, sem perceber a sua presença, vai todos os dias à estrada esperar por Antônio Cesário. No final do prazo dado pelo padrinho de Inocência, Cirino estava decidido a se matar se ele não viesse ao seu encontro.
Porém, quem o encontra é Manecão, que atira nele. Antes de morrer Cirino diz que ele matou também Inocência. Depois, perdoa Manecão por tê-lo assassinado. Ambos ouvem um cavalo se aproximando e Manecão foge. Para completar a tragédia, quem está chegando é Antônio Cesário, ele finalmente decidira intervir a favor de Inocência e Cirino.
Encontra Cirino agonizando, pergunta quem fez aquilo, mas Cirino não diz o nome do assassino. Pede a Cesário que diga a Inocência que morreu por causa dela, que pegue o dinheiro que está em seu bolso e pague sua dívida, o que so-brar deve ser distribuído aos pobres, “sobre tudo aos morféticos”. Seu último pedido é para que Cesário prometa que não deixará Inocência casar com Manecão. Cesário promete e Cirino morre chamando por Inocência.
A história termina na Alemanha em dezoito de agosto de mil oitocentos e sessenta e três, com a aclamação de Meyer pela Sociedade Geral Entomológica e pela Imprensa, que elogia “os prodígios entomológicos” recolhidos por ele em “suas dilatadas peregrinações”. Principalmente, a borboleta Papilio Innocentia, cujo nome fora dado “em homenagem à beleza de uma donzela (Mädchen) dos desertos da Província de Mato Grosso (Brasil), criatura, segundo conta o Dr. Meyer, de fascinadora formosura”.
Naquele dia, fazia exatamente dois anos que Inocência morrera, “no imenso sertão de Santana do Paraíba”.
3.3 ANÁLISES DO CONCERTO CAMPESTRE DE ASSIS BRASIL
Segundo Masina (2003), o que torna Concerto Campestre um momento de extraordinária vitalidade, no conjunto notável da ficção de Luiz Antonio de Assis Brasil, é a transfiguração de duas vertentes, ambas presentes desde seus primei-ros textos.
A primeira é a vertente crítica, que surge do desejo de revisar a História, com notado cunho social.
No universo ficcional de Concerto campestre, lê-se que nas sociedades oligárquicas, habitadas por homens divididos em classes, não existe espaço para o amor e a conciliação. Assim, percebe-se a presença do Patriarcalismo referenciado anteriormente neste trabalho.
Masina (2003) alerta para o fato de que pela vertente irônica a obra pune a sociedade e os costumes com a ironia, o pastiche, a paródia, ao mesmo tempo em que relata o debater-se das vítimas, fantoches de um mundo decaído.
Já pela segunda vertente, a obra instaura o grotesco como manifestação formal de uma ordem de mundo essencialmente barroca. As antíteses deslocam-se da forma tradicional e compõem a ordenação do universo novelesco, como se pode ler através das articulações das personagens e dos demais elementos narrativos.
As seleções de episódios manifestam as oposições desses mundos em que a chuva de sangue é o castigo bíblico: a ordem fora rompida. A fantasmagoria da videira, o caráter sepulcral da tapera onde Clara Vitória será confinada pelo pai, deixam claro tratar-se de texto que trabalha a alegoria barroca.
Masina (2003) declara que na Estância de Fontes, o jogo das distorções grotescas não é gratuito. Pode-se entendê-lo como montagem paro dística e, por-tanto, como paródia de uma literatura edificante que se mostra pervertida. O cômico deformante impõe mais a reflexão do que o riso. E se, no início da narrativa, percebe-se o aguçamento caricatural das personagens o zelo de um crítico da sociedade, os acontecimentos irão mostrar que o grotesco reside propriamente na mistura de coisas incompatíveis: de um lado, os dramas mais cruéis da vida; de outro, o riso contrafeito das máscaras.
Assis Brasil ultrapassa a crítica à sociedade: farsa e tragédia, não se deixam separar. Não obstante, a máscara deixa a face - quando Clara Vitória e o Maestro encolhem-se diante das circunstâncias, reconhecendo seus limites e sua pequenez. Resistindo ao desespero, separam-se, embora mantendo um amor sem projetos – denominado por Masina (2003) – como um desejo epifânico de que tu-do terminasse bem.
A experiência dolorosa do Maestro, no decorrer dos concertos na Estância, fizera-o ver o fosso que separava os dois mundos, o dos pardos e dos pobres e o mundo dos brancos e ricos, cujos códigos ele jamais poderia atingir.
A fuga dos amantes para além da sociedade, dos amigos, da lei, de tudo converte-se em fuga do mundo. Os pressentimentos, as súbitas consciências da insânia cometida, a relação conflituosa entre o Vigário, Deus e os escravos, que mais sofriam do que pecavam, confirmam a alegoria dos mundos antagônicos.
A ação se passa em tempos passados, entre a Revolução Farroupilha e a Revolução Federalista. Um período de paz nos campos gaúchos que fez possível a existência da orquestra, a Lira Santa Cecília, na fazenda do Major Antônio Eleutério de Fontes. Rico dono de terras e charqueada, ao perceber o imenso prazer que a música lhe proporcionava, decidiu-se a manter os músicos e um maestro. Ouvia-os, embevecido, compartilhando com os seus e os amigos, especialmente convidados para os concertos festivos, sob o umbu.
Mas os sons que o Maestro consegue tirar das inábeis mãos dos músicos e de seus rudes instrumentos que o encantam, também encantam a sua filha Clara Vitória. Ela se deixa prender de paixão pelo homem que é tão diferente daqueles que a rodeiam.
Um amor impossível - castos preconceitos medeiam entre eles – com características citadas anteriormente.
Flui mansa a narrativa de Concerto campestre e, surpreendentes, nela se inserem informações, indicando que muitas outras haviam sido, até então, subtraídas. Anuncia, em fim de capítulo, uma situação de crise que irá determinar a continuação do relato sem que, no entanto, ocorram mudanças no seu ritmo.
O primeiro capítulo dá conta da chegada do Maestro na fazenda e de seus progressos frente à orquestra; brevemente, de suas relações com a família do es-tancieiro. Nas últimas linhas, informa, e quase nada o fizera prever, da paixão de Clara Vitória por ele. O segundo capítulo retoma o dia em que o Maestro chegou para narrar dos primeiros interesses de Clara Vitória: espiara pela fresta da cortina enquanto ele, sentado, esperava que o fazendeiro lesse a carta que trazia.
Os repetidos encontros e as palavras trocadas e o perceber-lhe os movi-mentos no quarto ao lado vão arquitetando os sentimentos. Nas últimas linhas do segundo capítulo, a inesperada revelação: o esgueirar-se de Clara Vitória fora de casa para entrar no quarto do Maestro e lá ficar até de madrugada. Então, novamente, a volta da narrativa para um momento anterior e, assim completar o que não fora dito e, outra vez, tratar dos sucessos da orquestra para terminar o terceiro capítulo com uma nova revelação.
São três momentos da narrativa em que, primeiramente, ex-abrupto, é anunciado um fato inesperado, como que um relâmpago em céu tranqüilo, levando a um retorno no tempo e a um relato linear que o irá completar, mostrando o quanto Concerto campestre é um romance de exímia construção. Também feita de alguma graça, de alguma crítica, do sábio dizer dessa música que se eleva nos campos, da sedução do personagem feminino, buscando seu destino para, então, aceitar-lhe os desígnios.
Na obra, curiosamente, a vertente crítica não se mostra apenas como formulação discursiva, mas como forma de conceber o mundo. Ao invés de seguir apenas a racionalidade mimética da narrativa clássica romântica Assis Brasil acolhe, na lógica do texto, mundos simultâneos que alteram as passagens entre o universo mimético e real e a insurgência do sonho, do alegórico e do espectral.
Ao contrário de Inocência e demais obras analisadas, as personagens ven-cem os obstáculos e conseguem ficar juntas. Fato que representa – enfim - a ruptura da narrativa clássica romântica na obra de Assis Brasil.
3.4 ANÁLISES COMPARATIVAS ENTRE AS OBRAS DE TAUNAY E ASSIS BRASIL
Buscando aplicar a intertextualidade na análise das obras “Concerto Campestre” e “Inocência”, já que as mesmas apresentam estruturas semelhantes, montou-se um quadro comparativo (Quadro 2).
OBRA: INOCÊNCIA
Visconde de Taunay OBRA: CONCERTO CAMPESTRE
Luiz Antonio Assis Brasil
Data de publicação: 1872 Data de publicação: 1997
Obra baseada em observações do autor no sertão mato-grossense. Obra baseada no relato da amiga Hilda Simões Lopes.
Romance de características realis-tas, as figuras humanas pertencem ao convencionalismo romântico. Narrativa com características realistas do ponto de vista da linguagem e da estrutura.
A história se passa na vastíssima província de Mato Grosso. A história se passa numa fazenda do interior gaúcho.
Personagens:
Inocência: filha de Pereira, moça inocente
Pereira: mineiro, falador, pai de Inocência
Cirino: falso médico apaixona-se por Inocência
Cesário: padrinho de Inocência
Manecão: marido destinado a Ino-cência
Tico: Anão a serviço de Inocência Personagens:
Clara Vitória: filha de Pontes, moça bela
Antonio Eleutério: pai de Clara Vitória
Maestro: líder da orquestra Santa Cecília, apaixona-se por Clara
Brígida de Fontes: mãe de Clara
Silvestre Pimentel: marido destina-do a Clara Vitória
Rosini: amigo e confidente do maestro

Cirino hospeda-se na casa de Pe-reira a convite deste para curar uma doença manifestada em Ino-cência. O maestro hospeda-se na casa de Fontes, a convite deste para reger a orquestra Santa Cecília.
Cirino tem dívidas de jogo para pa-gar. Está atrás de dinheiro para quitá-la. Maestro tem complicações amoro-sas e refugia-se em casa de Fontes.
Martinho dos Santos Pereira gosta muito de prosear, mora a 12 anos em Mato Grosso. Major Antônio Eleutério de Fontes gosta muito de música, vive numa propriedade rural.
A casa de Pereira é dividida em duas partes: um cômodo destinado aos hóspedes, nos fundos, a casa da família, vedada às vistas dos es-tranhos e sem comunicação interna com o compartimento da frente. A casa de Fontes possuía um quar-to de hóspedes, cômodo indispensável nas casas de estância, sem comunicação com o interior da moradia.
Pereira exerce poder sobre o destino de Inocência e a destina ao casamento com Manecão Doca- homem de posses. Fontes e Dona Brígida têm o poder sobre o destino de Clara Vitória e a destinam ao casamento com Sil-vestre Pimentel, herdeiro de uma fortuna.
O casamento de Inocência com Ma-necão se aproxima. Cirino se desespera e pede ajuda ao padrinho de Inocência, Antônio Cesário. O vigário descobre a gravidez de Clara Vitória e a paternidade do Maestro. Tenta convencer Silvestre Pimentel a adiantar o casamento. Clara e Maestro se desesperam.
Manecão chega de viagem, Inocên-cia diz estar doente e não quer mais casar-se. A mãe de Clara descobre sua gravi-dez.
Pereira acredita que foi Meyer o causador de tal desgraça. Ao recusar o casamento, Inocência é agredida pelo pai. Ao descobrir a gravidez da filha, D.Brígida aplica-lhe uma surra. Ela pensa que a causa da desgraça da filha é culpa de Silvestre Pimentel.
Manecão descobre por Tico que o causador da desgraça é Cirino. Ele o segue com intenção de matá-lo, movido pelo sentimento de vingan-ça. O Major vai à casa de Silvestre Pi-mentel para matá-lo. Ele atira no moço e expulsa Clara de casa.
Manecão atira em Cirino. Agonizan-te, ele afirma que indiretamente Manecão matou também Inocência. Clara Vitória é aprisionada no bo-queirão e lá concebe uma criança saudável.
Inocência morre no imenso Sertão de Santana da Paraíba. Clara Vitória e o Maestro reencon-tram-se após vários meses de separação, devido à morte do pai da moça.
Termina a narrativa na Alemanha, com a aclamação de Meyer pelo a-chado de uma linda borboleta a qual ele denomina “papilio Innocentia”. Termina a narrativa com a chegada de Maestro para retirar Clara Vitó-ria da clausura e iniciar uma nova fase em suas vidas, feita de momentos felizes.

Como podem ser observadas, as obras permitem a constatação de certa intertextualidade entre as tramas.
Nas duas obras é possível perceber a estrutura narrativa clássica ro-mântica se desenvolvendo e detectada nas análises realizadas anteriormente.
No entanto, em relação ao epílogo das obras, é possível constatar a ruptura do final trágico e, conseqüentemente, na estrutura narrativa clássica da obra Concerto Campestre, o que lhe confere um caráter de contemporaneidade.







CONCLUSÃO
Após a análise da obra Concerto Campestre de Luiz Antonio Assis Brasil, é possível detectar várias características do romance clássico comentado ao longo da apresentação do referencial teórico que fundamenta este trabalho.
Primeiramente, a obra apresenta o tripé: Herói – Donzela – Anti-herói cha-mado triângulo amoroso, mencionado por Massaud Moisés (1967), o que segue a estrutura da narrativa clássica romântica.
Também é possível intuir o desejo do escritor romântico de fugir da realidade, valorizando a faculdade mítica e a natureza.
O caso de amor, a resignação, a proibição provinda do patriarcalismo configuram mais traços do romance clássico.
Não obstante, é possível perceber em Concerto Campestre o senso docu-mental, a sensoriedade, veracidade e lentidão narrativa mencionados como sendo características romanescas do Realismo.
Por meio da intertextualidade, foi possível comparar as obras Inocência e Concerto Campestre.
No entanto, é justamente no epílogo da obra que se dá a ruptura da narrativa. Ao contrário das obras analisadas, os protagonistas vencem os obstáculos e lhes é traçado um final feliz.
Muito embora se saiba que qualquer interpretação subjetiva sobre a intenção do autor ao estruturar o romance possa recair no “achismo”, procurou-se evidenciar fatores presentes em outras obras e traçar um estudo comparativo entre as estruturas narrativas .
Indubitavelmente a literatura é polissêmica, mas no que diz respeito ao aprofundamento do estudo sobre o romance clássico, entende-se que este trabalho consegue configurar as características citadas e a ruptura no fechamento da narrativa clássica romântica apresentada na obra Concerto Campestre de Luiz Antonio Assis Brasil.








OBRAS CONSULTADAS
BERNARDI, Francisco. As Bases da Literatura Rio-Grandense. 3 ed. Porto Alegre: AGE, 1999.
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COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil.vol.3.Parte II.Estilos de Época. Era Romântica.Global Editora. 5 ed.1997
DEL PINO, Dino. Movimentos Literários .Porto Alegre.Movimento:1970
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LÉLLIS, Raul Moreira. Português no colégio. História Literária do Brasil. São Paulo. Companhia Editora Nacional: 1970
MASINA, Léa. Revista Eletrônica.
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POSNETT, H. M. O método comparativo e a literatura. In: COUTINHO, Eduardo F. e CARVALHAL, Tania F. Literatura Comparada: Textos fundadores –Rio de Janeiro: ROCCO, 1994.
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Revista Autores Gaúchos-ULBRA:1995